segunda-feira, novembro 17, 2008

Nunca fui aluna de Robert Langdon

por Beta Langdon, de Roma

Eu e meu marido fomos comemorar nossos dez anos de casamento na Áustria. Dois dias depois de chegarmos a Viena, soubemos que o Papa João Paulo II tinha morrido. Estávamos no começo de abril de 2005. Fazia muito frio em Viena, mas tínhamos ido mesmo (entre outras coisas) por causa do frio e para talvez, quem sabe, dar uma fugidinha para esquiar em Arlberg, mas o inverno já tinha acabado e eu não sabia se ainda havia neve suficiente por lá. Ficamos mais três dias em Viena e em vez de continuarmos nossa viagem para Innsbruck e Salzburgo como tínhamos planejado, pegamos um avião para Roma. Eu adorava aquele papa e fiquei muito triste com a morte dele. Meu marido, muito católico, também fez questão de se despedir dele. E lá fomos nós.

Uma vez em Roma, largamos tudo no hotel e fomos direto para o Vaticano. Era muito cedo e uma fila imensa saía de dentro da Basílica de São Pedro, continuava pela Via della Conciliazione (a principal rua de acesso à Praça São Pedro) até fora dos muros do Vaticano. Equipes de TV do mundo todo estavam amontoadas na avenida que margeia o rio Tibre e havia muito policiamento. Ficamos horas em pé, andando a passinhos de tartaruga até conseguirmos entrar na basílica e dar adeus ao querido Sumo Pontífice. Chorei muito ao ver o corpo dele, todo paramentado, ali exposto. Saímos de lá e para me distrair, meu marido resolveu me levar para um passeio por Roma, que é uma cidade linda e que eu não conhecia. Estava cansada de tanto ficar em pé, mas mesmo assim, topei. Fomos a várias igrejas, visitamos o Coliseu e as ruínas da Roma imperial e demos uma passeada pelas ruas de comércio chique, até que eu, exausta, pedi para sentarmos num dos restaurantes com mesinhas ao ar-livre na praça em frente ao Panteão. O Panteão é um antigo edifício greco-romano, com pilares suntuosos na fachada e que foi convertido numa igreja católica.

Tinha bastante gente no local. Eu estava acabando de comer uma massa e tomar um tinto delicioso quando percebi um movimento esquisito de policiais. Eram muitos. Todos se comunicavam por walkie-talkies, meio nervosos e alguns se dispersaram para cercar o Panteão. Eu e meu marido ficamos com medo. Ameaça de bomba? Tudo era possível depois do 11 de setembro e ainda mais em pleno velório do papa e pedimos a conta rápido. Foi aí que eu percebi em meio aos policiais, um casal interessante: um homem de meia-idade vestindo um paletó de tweed e uma mulher, mais moça que ele com um shortinho branco, curto. Estava frio, como ela conseguia só usar aquilo? Mas tudo bem, vai ver ela tinha vindo de um lugar mais frio ainda. De Moscou ou da Finlândia, talvez. Se bem que ela estava bronzeada. Bom, isso não vem ao caso.

O que vem ao caso é que, depois de pagarmos a conta, meu marido, em vez de sair correndo dali para o hotel, resolveu ir ver o que estava se passando. Fui atrás dele e, quando chegamos perto, consegui ouvir o policial que aparentava ser o chefe da operação falar para o homem de paletó:

Mister Langdon, this had better not blow up in our faces.

Langdon? Como assim “Langdon”? Eu tinha ouvido “Langdon”?

Olhei para o homem de paletó: meia-idade, biótipo de inglês ou americano branco. Não era italiano, ainda mais porque o policial tinha falado com ele em inglês. Ele sorriu meio sem-graça e o policial falou no walkie-talkie, em italiano:

Sono le diciannove, quarantasei minuti e trenta secondi... Siete tutti ai vostri posti?

Foi quando criei coragem e me aproximei do homem de paletó, que suava muito apesar do frio. Aproveitando que o policial estava distraído dando ordens pelo walkie-talkie, perguntei, no meu inglês bipolar:

— Você é o professor Robert Langdon? O famoso professor Robert Langdon?

O homem olhou para mim, meio confuso e deu um sorriso simpático:

— Não sou tão famoso.

— Você não é professor de Simbologia Religiosa na Universidade de Harvard?

Ele me examinou com os olhos, tentando me reconhecer.

— Você foi minha aluna? Engraçado, não me lembro da sua cara...

Não deu para continuar a conversa, porque a moça de short, que descobri que se chamava Vittoria, começou a gritar em italiano com o policial:

Comandante, non manda nessuno dentro al Pantheon?

Langdon desviou a atenção de mim. Uma discussão tinha começado. Os policiais estavam mais nervosos. Falavam em invadir o Panteão. Falavam que alguém pretendia matar um cardeal. Não entendia o que estava acontecendo. Essa cena não era para ter acontecido durante o Conclave? Por que Robert Langdon estava caçando os Illuminati durante o velório do Papa?

Fomos embora dali, eu e meu marido, antes que sobrasse para nós. Nem consegui visitar o Panteão.

A única certeza que eu tive sobre aquele encontro foi quando lançaram O Código Da Vinci no cinema, um ano depois: o Robert Langdon que eu conheci na praça do Panteão era completamente diferente do Tom Hanks.

Nota de Flavia Andrade: Nossa colega "Beta Langdon" se baseou numa cena do livro
ANJOS E DEMÔNIOS, de Dan Brown, para descrever essa hipotética conversa com Robert Langdon.